Palavras do Rabino Pablo Berman

03 de maio de 2024

Parashat Acharei, ou Contagem

Os 50 dias entre Pessach e Shavuot são conhecidos como Sefirat Haomer, a contagem do Ômer. Tudo se baseia nos versículos da Torá que dizem:
Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando houverdes entrado na terra que vos hei de dar, e fizerdes a sua colheita, então trareis um ômer das primícias da vossa sega ao sacerdote; E ele moverá o ômer perante Deus. Depois para vós contareis sete semanas, contareis cinquenta dias.
Estes dias são os dias da colheita da cevada e do trigo. Após Pessach, começa a colheita da cevada e termina com a colheita do trigo. E o povo deve agradecer, trazer uma quantidade determinada de cevada, medida em litros, para entregar ao Cohen Gadol.
Os dias de colheita eram dias de muito trabalho e esperança. O ano que o povo terá dependia da colheita. E do que terão para comer. Pensemos nisso há 3000 anos. A colheita precisava ser feita com pressa, pelo perigo dos ventos, ratos, incêndios, etc. Hoje talvez as coisas sejam mais fáceis, mas não há 3000 anos. Uma mistura de alegria e temor envolvia o povo de Israel, a maioria agricultores, sobre como seria aquele ano. Isso está expresso na Mishná, onde nos ensina que em Pessach o mundo é julgado pela terra, pelas colheitas.
Depois da destruição do Beit Hamikdash, o Ômer não foi mais trazido ao Templo. Mas os rabinos decidiram que, embora não pudéssemos trazer o Ômer, poderíamos contar. O próprio texto da Torá usa os dois conceitos, ou seja, trazer o Ômer e contar os dias. Daí continuarmos com o costume de contar cada dia, desde a saída de Mitzraim e a entrega da Torá. 
No entanto, e por diferentes motivos, esse período do Ômer se transformou ao longo do tempo em um período triste, para muitos, de luto. Tivemos diferentes acontecimentos durante a história nesse período. E apesar de o Ômer estar ligado à alegria da colheita, do alimento, do sustento, a conotação atual do Ômer passou infelizmente a ser de tristeza. Como disse, foram diferentes motivos que levaram a transformar esse período em período de tristeza e luto. Um dos mais conhecidos é uma referência talmúdica à morte de 24000 alunos do rabino Akiva. Famoso rabino do século II. Uma epidemia atingiu muitos de seus alunos e o motivo teria sido a falta de respeito mútuo. A Guerra contra Roma, liderada por Bar Kochva, também está na lista de motivos, guerra que também envolveu Rabino Akiva.
Outro fato aconteceu no ano 363, o imperador Juliano II, que os cristãos chamaram de apóstata, permitiu que os judeus de Israel reconstruíssem o Templo de Jerusalém. Ou seja, reconstruir o terceiro templo.
Mas vemos um pouco da história, que é apaixonante.
Flávio Cláudio Juliano, conhecido como Juliano II ou, como foi apelidado pelos cristãos, "o Apóstata". Ele foi imperador dos romanos de 3 de novembro de 361 até sua morte. Tudo estava organizado para iniciar as obras, mas um fato trágico ocorreu no dia 18 de Iyar do ano 363. Um terremoto de grandes proporções atingiu Israel e a região do Oriente Médio. Isso resultou no cancelamento das obras e pouco tempo depois Juliano II morreu. E aquele dia foi fixado e lembrado como dia de jejum, porque a reconstrução do Beit Hamikdash não iria mais acontecer.
Mas depois o dia 18 de Iyar, ou seja Lag Baomer, se transformou em um dia de alegria, relacionado à morte do grande cabalista rabino Shimon Bar Yochai no século II, e o fato de não mais construir o terceiro templo acontecido na verdade depois, no século IV, foi esquecido ao longo do tempo, e daí a tradição de que o templo só será reconstruído quando chegar a época da redenção.
Levamos 10 dias contanto o Ômer, um período triste no meio de um período de alegria. Assim é nosso calendário, e a vida mesmo. Continuamos atravessando nossas festividades, ainda com as consequências da tragédia do 7 de outubro, com acontecimentos antissemitas complexos nas universidades americanas, e expandindo na Europa. E nos preparando para reunir-nos mais um ano para Yom Hashoa, comemorado no dia 27 de Nissan, que será neste próximo domingo a partir das 17h30.
Talvez nossos sábios pensaram que contar os dias, cada dia, com suas alegrias e tristezas, nos ajudaria a mergulhar ainda mais profundamente em uma tradição que abraça a vida com todas as suas cores - alegria e tristeza, celebração e luto. Recordamos nossos antepassados, suas lutas e suas conquistas, e nos inspiramos em sua resiliência.
Hoje, enquanto nos reunimos para esse Shabat, e para Yom Hashoa no domingo, não apenas lembramos os horrores do passado, mas também celebramos a força do espírito humano. Nossos antepassados enfrentaram a escuridão com coragem e determinação, e nós seguimos seus passos.
Nossa obrigação é lembrar, manter viva a memória daqueles que foram perdidos e lutar pelo futuro que nos depara nossa realidade complexa. Que tenhamos a coragem de enfrentar os desafios de nosso tempo com a mesma resolução e esperança. Nunca devemos esquecer, nunca devemos ter medo. Faz tempo que o povo judeu já não tem medo.
Nós sabemos qual é o lado certo da História. Mas, nem todos sabem, ou nem todos querem entender. Mas, tudo chega na hora certa. 
Com amor e solidariedade, construiremos um mundo melhor para as gerações futuras.